Capítulo 2


 Pude ver os olhos de meu pai perderem o brilho infame que tinham anteriormente

— essa é uma oferta única — sorri sinica — se decida papai

Ele parou por um momento, então me olhou novamente. Cada minuto eu pensava se fiz a coisa certa, mas todos sabemos que uma corte real é cheia de acordos internos e sujeiras que ninguém, além dos permitidos saibam. A tensão na sala de jantar era visível aos olhos, assim como o desconforto vindo da parte de meu pai

Eu comia minha comida com garfadas e mastigadas demoradas, fazendo o máximo de ruído possível. Então terminei e me levantei educadamente, pondo o lenço em cima do prato após limpar os cantos da boca

— tem até amanhã à tarde para me dar uma resposta plausível — sorri — que não seja apenas silêncio. Se recusar, saiba que posso fazer da sua vida e a de todos aqui o inferno — olhei para um mordomo perto de meu pai — pelo seu bem, melhor fazê-lo aceitar

Sorri em despedida saindo da sala de jantar em passos largos, com Julia atrás de mim.

Consigo pensar em como a mamãe enfrentaria isso. Ela provavelmente me mandaria para o reino de vovó e vovô, caso eu pedisse. Sinto falta de como ela fazia biscoitos de chocolate e esquentava um copo enorme de leite quando eu me machucava, mesmo que fosse proibido entrar na cozinha.

A água do banho estava começando a esfriar, eu chamo a camareira, que vem com uma toalha quente e fofa. Minhas roupas de dormir estavam em cima da cama prontas e quentes, Julia vem até mim correndo assim que eu começo a encarar a roupa e a cama

— algum problema, vossa alteza imperial?

— nenhum... — acaricio a toalha — peço que me deixe sozinha para poder me trocar

— sim senhora

Ela sai correndo e eu me obrigo a tirar a toalha do corpo e me obrigo novamente a me olhar no espelho. As marcas diagonais feitas pela primeira tutora ainda permanecia na minha barriga, várias, espalhadas. Eu coloco a mão nas marcas um pouco elevadas e ainda consigo sentir a dor, da vareta de bambu açoitando minha barriga, da tutora gritando com raiva porque a respondi de mau jeito ou porque errei algo.

Saio de meus devaneios e começo a me vestir, tentando me convencer que essa era uma época diferente. Termino de ajeitar a camisola quando um vento forte abre as janelas, as cortinas balançam e a ventania é fria, chego mais perto para fechar as mesmas, mas, consigo ver cais cheio de navios e marinheiros

A vista é realmente linda, mas então consigo ver a mulher na briga de outrora. A distância que estou dificulta muito isso, mas pego um telescópio guardado embaixo da cama. Ela está realmente bonita naqueles trages

— isso não seria coisa para se pensar, mas ela realmente está linda — volto a minha vista e a vejo debater e rir com oito homem, ajeitando os cabelos e a cintura cheia de facas — quem eu engano? Ela é gostosa e eu pegava muito

— de quem está falando Felicity? — ouço uma voz masculina atrás de mim e pulo de susto, fazendo o telescópio cair e quebrar a lente

— poderia bater na porta antes de entrar?

— eu bati, mas você estava tão entretida com seus...

— suas descobertas, sobre a lua — pego o telescópio com lente rachada — agora me deve outro

— nem me lembro de ter dado este aí — realmente não deu, eu peguei das suas coisas — enfim.., — meu pai pigarreou

— se veio para discutir termos sobre meu comando, não estou no clima 

Guardei o telescópio de volta embaixo da cama e logo em seguida fechei a janela e as cortinas, voltei para a cama me deitando e me cobrindo até a cintura

— resolvi aceitar seu acordo — conseguia ver a derrota nos seus olhos

— muito bem — respondi quase de imediato com palminhas e um sorriso vencedor — vou começar os preparativos do casamento amanhã, poderemos discutir sobre a contabilidade à tarde. Quando conhecerei o príncipe James?

— daqui a duas semanas, caso eles não se atrasem na viajem para cá — meu pai abaixou a cabeça — você aprendeu demais, sobre muitas coisas

— igual uma aluna inteligente e obediente. Serei a rainha perfeita

— perfeição não existe — ele me olhou por baixo das sobrancelhas — mas cuidado com o que aprende e deixa de aprender

Ele saiu fechando a porta me deixando sozinha no quarto, apenas com uma vela acesa que já estava pela metade. Me deitei na cama, coberta com cetim e panos macios.

Naquela mesma noite eu acordei com um pulo, estava suada, ofegante e meus cabelos desgrenhados. Após isso não consegui mais dormir

Olhei no relógio e vejo que são três e meia da madrugada, o palácio estava silêncio sem contar com os tilintarem das armas dos guardas e os passos treinados. Me levanto calma e abro as cortinas, assim como as janelas, esperando que o vento me faça ter sono, talvez a cidade. Fecho os olhos me encostando no batente da porta que dava para a sacada

— sentiu minha falta? — tomo um susto quase gritando, mas vejo que era Oliver

— você quer morrer, não é possível

— está rolando uma festa lá embaixo — ele dizia se encostando

— não está preocupado de me verem?

— achei que seria uma boa ideia te fazer desistir de ser princesa e virar uma pirata. A festa é da Loksd, a pirata boazinha

— pirata boazinha?

— ela ajuda as armadas dos quatro reinos a fazer "justiça"

— estranho

— concordo — Oliver sai da varanda indo até minha cama e se jogando nela — quer ir ou não?

— não — no silêncio percebi que não havia mais passos sincronizados ou armas balançando — vamos explorar o castelo ao invés disso

—como assim? — Oliver se levantou no susto — não vou arriscar meu lindo pescoço com você!

— sou a futura rainha, eles não vão te fazer mal se eu mandar — dei um sorriso enorme

— até parece — ele pareceu pensar — seu lobo vestido de ovelha..... Ok, vamos lá....

Eu vou até a porta a abrindo devagar, olho para os lados e não vejo ninguém além da lua e a fresca do mar

— vamos, não tem ninguém — dou um sinal para Oliver me seguir

Eu estava com uma camisola de seda rose e um robe de mesma cor e tecido, Oliver estava usando as roupas costumeiras, uma calça de couro preta, uma túnica top preta e botas marrom escuro. Eu e Oliver saímos de fininho do meu quarto atravessando o corredor iluminando, indo até outro cômodo

Este cômodo era mais delicado, com tons de rosa e branco e flores murchas nas cômodas, as janelas estavam trancadas e as cortinas fechadas. Por cima de alguns móveis haviam panos brancos os cobrindo, e a aparência não era aconchegante deste modo de vista, imagino como este quarto era quando minha mãe estava viva.

— porque este quarto? De tantos outros, sinceramente Felicity — Oliver resmunga baixo e tranca a porta

— era o quarto da minha mãe, não a conheci muito bem. Queria visitar o quarto dela uma última vez antes de me casar — conseguia ouvir minha voz triste e nostálgica

— já não o visitou muito? — Oliver passava a mão nas coisas, vendo o quanto de poeira e sujeira tinham alí

— não, meu pai não me deixa entrar, só visitava na companhia dele e isso era desconfortável e estranho

Olhávamos ao redor, tudo parecia triste. Então vou até a janela a destrancando e abrindo as cortinas cheias de poeira, então comecei a espirrar

— merda — resmunguei coçando o nariz

— acho que você não devia fazer isso — a voz do meu amigo tinha uma ponta de medo — daqui a pouco aparece guardas, seu pai e todo o exército

— deixe de ser medroso, me ajude a achar algo por aqui — começo a procurar pelo quarto — talvez uma caixa com detalhes de ouro ou um compartimento secreto

— estamos procurando o quê, exatamente? — ele dizia procurando em gavetas e cômodas

— eu tenho lembranças de minha mãe escrevendo um diário, ela me disse para procurá-lo quando precisasse de esclarecimento — parei no meio do quarto olhando para todo lado

— sua mãe gosta de um mistério não é mesmo?! — Oliver parou e se sentou ao lado de uma cômoda no canto do quarto, apoiando a cabeça na mesma — não era mais fácil ela ter dado para o seu pai ou ele ter descoberto? Sei lá

— papai e mamãe sempre estavam sempre brigando e discutindo, mas nunca na minha frente. Ela não daria isso a ele

— por que isso agora? Para quê procurar esse diário agora? O que tem nele?

— preciso da minha mãe — olhei para Oliver — vou me casar com um troglodita, preciso de minha mãe ao meu lado, talvez ela me diga o que fazer

— sua mãe escreveu um diário faz muito tempo, acha mesmo que um diário iria te dizer o que fazer?

— não, mas quero saber o quê tanto ela escondia para não deixar nem eu ler

— talvez um fato seja, é um diário — Oliver coçava a cabeça cansado

— é, mas...

— Felicity, estamos perdendo tempo procurando um diário que sua mãe escreveu e é provável que alguém tenha queimado ou jogado fora — seu olhar para mim era de compreensão, mas também de pena

— talvez tenha razão. Eu só queria ter algo dela, algo que não queimarão ou mandaram para o reino dos meus avós

Eu fui até o lado de Oliver e me obriguei a sentar, pus a cabeça em seu ombro e olhei para a janela enquanto ele fazia carinho em minha cabeça. Estava tudo tão tranquilo, menos eu.

Eu estava frustada por literalmente ser um pau mandando, mesmo que eu não adimita eu fazia todas as vontades do meu pai e até dos empregados, se reparar bem. Tiro a cabeça do ombro de Oliver batendo a mão com força no chão de madeira várias vezes enquanto jogava a cabeça de um lado para o outro.

— pare aí Felicity, não faça barulho — Oliver tentava me parar, mas então ele pegou meu rosto entre suas mãos parando meu rosto — vamos só voltar para seu quarto e eu vou embora

— dorme comigo hoje, não aguento ficar frustada e não conseguir o que quero — fiz biquinho e então ele concordou com a cabeça

— vamos logo antes que seu pai venha

Oliver me levanta mas eu acabo caindo de bunda no chão, com tudo, após escorregar na poeira acumulada, isso faz com que a madeira abaixo de mim exerça um som ôco

— aí, merda — eu rolo no chão com a mão na bunda

— você está bem? Ai meu Deus! Você está bem?

— estou sim, claro, eu só... Você ouviu o som?

— que som? Você está realmente bem? — Oliver estava olhando para todo o lado

— o chão fez um barulho ôco — me ajeitei de joelhos e bati no chão de novo, no mesmo lugar que caí

— o chão é realmente ôco — Oliver levantou as sombrancelhas

Nos entreolhamos e começamos a procurar jeitos de abrir aquele chão, até acharmos uma pequena abertura oval em um canto da madeira. Tentávamos abrir e puxar mas a madeira não saía, nada a movia. Então resolvemos fazer um pouco de barulho

— MERDA — grito batendo a mão com força na tábua

— acho que abriu

— o quê abriu, Oliver?

— a tábua 

— não seja idiota, fizemos todo o barulho possível, e essa MERDA — topo com a mão encima da tábua, novamente — não abriu

Oliver me empurra para o lado, me fazendo colidir de bunda no chão e me encher de poeira e sujeira, eu resmungo, mas ele apenas puxa a madeira já solta, do chão. Eu pensei em chamar ele de tudo quanto é nome, mas depois de olhar dentro do compartimento com teia de aranha, eu o perdoo

— sabe, pensei em te matar por me empurrar... — digo feliz olhando para ele — ... Mas eu te amo Oliver

Pego a caixa de madeira com fecho fácil de abrir

— eu deveria ficar feliz por isso? — ele franze o cenho

— por não te matar, por te amar ou te perdoar? 

— acho que todos! Mas veja o que tem logo dentro dessa caixa — ele fecha o compartimento e me olha ansioso

Pego um pequeno caderno com capas de couro e uma fivela. O pequeno objeto estava cheio de poeira e teias de aranha enroscadas pelo todo. Arrumamos tudo e nos levantamos com o diário na mão, mas antes de abri-lo ouço os guardas e, eu e Oliver nós entreolhamos. Seguro o objeto atrás das costas rapidamente após ouvir o estrondo da porta se abrindo, e meu pai com a cara vermelha de tão bravo

— o que diabos vocês estão fazendo aqui? — ele nos encara nos olhos

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